Não Proteja Tanto O Seu Filho, de Javier Urra, in Notícias Magazine
Como é impossível manter sempre as crianças longe dos
traumas, o melhor é prepará-las (e aos pais) para enfrentar adversidade. O
psicólogo espanhol Javier Urra dá algumas receitas.
Como é que equipamos os filhos com airbags para os encontrões da vida?
Primeiro,
espicaçando-os. Depois, não os superprotegendo e entendendo que enfrentar a
realidade, a tristeza, os momentos traumáticos e as perdas não significa
entristecer a vida. Ensinar às crianças pequenas o que é a frustração,
ensiná-las a aceitar que há coisas que requerem tempo e exigem que esperem.
É essa ideia forte do seu último livro, Prepara o Teu Filho para a Vida, Valores para Crescer Feliz? Mostrar aos jovens que terão de lidar com problemas e traumas?
Temos de ensiná-los que a dor existe, mas que
as pessoas se recriam no sofrimento. Há quem viva na nostalgia e tem esse
direito – às vezes dá gosto sentir um pouco de tristeza. Contagioso é ficar a
ruminar no que podia ter sido porque a criança não quis isto e fez aquilo.
Educar é dar informação para a vida. Conheço pessoas que perderam as pernas ou
têm cancro no pâncreas: há as que descobrem formas de não quebrar e as que
sofrem o tempo todo. Mesmo sofrendo é possível fortalecer o caráter, os traços
pessoais, o contexto, para alcançar um novo projeto.
A psicologia positiva chama a isso resiliência.
E é uma qualidade que se adquire. Não se nasce
resiliente. Os indivíduos têm a capacidade de manter um equilíbrio estável
durante um processo desfavorável. É preciso educar os mais novos para o perdão
e a compaixão, para o altruísmo. «Tens quatro brinquedos, queres dar um àquele
menino? Sim ou não?» Não é difícil. É ensiná-los que o facto de quererem dar os
torna altruístas e serão mais felizes assim, porque são responsáveis pelos seu
atos e o que fazem tem consequências. Se isto for transmitido desde o início
torna-se um processo natural.
Quando é que se começa a construir a resiliência das crianças?
Desde que nascem. Até antes, quando os
progenitores se preparam para a sua vinda. Os pais tendem a ser demasiado
protetores: não deixam a criança brincar, com medo que caia, correm para o
pediatra se tosse e muitos separam-se logo que o filho sai de casa, porque
passaram anos a viver para ele, esquecendo o resto. É um erro. Luto contra o
crescimento de crianças indefesas. Um jovem só será capaz de enfrentar
problemas sem se deixar paralisar se tiver aprendido a tomar decisões e a sair
positivamente transformado das experiências piores.
Até que ponto o otimismo e o bom humor são importantes neste processo de crescimento?
O otimismo
realista e o humor inteligente libertam de culpa e diminuem a angústia. Somos
peritos a antecipar a morte e a sofrer de angústia profunda. Os últimos dados
da Organização Mundial de Saúde indicam que a principal causa de morte entre os
jovens de 24 anos, nos países da OCDE [Organização para a Cooperação Económica
e Desenvolvimento], é o suicídio. Isso tem de dar-nos que pensar.
Considera que os pais caem muitas vezes num tipo de educação permissiva?
Sem dúvida.
As mudanças nos últimos anos fazem que a educação que receberam não sirva para
educar as novas gerações, além de se alimentar a ideia de que os pais devem
viver exclusivamente para os filhos. A criança não pode ser mais importante do
que os pais, ou irá crescer dependente.
Isso acontece por quererem proteger os filhos de tudo? Acham que os amam mais assim?
Talvez por
sentimentos de culpa e por se aceitar que uma criança não se trava. Se um
garoto tem um problema com o professor, o pai vai lá, envolve a diretora, o
psicólogo, mas desresponsabiliza o filho. Ensina-se às crianças que têm
direitos, mas não deveres. E não melhorámos nada nos últimos trinta anos.
Quando publiquei O Pequeno Ditador
[2007], os psicólogos aperceberam-se dos milhares de casos que havia em Espanha
de pais agredidos pelos filhos e de filhos que se recusam a sair da casa
paterna por serem eles quem manda, em resultado de falhas graves de autoridade
e de dependência afetivas dos pais. Assim não educamos.
Como se fazem bons pais?
Ser bom pai
é algo que surge naturalmente, sem necessidade de deixar de se ser quem se é.
Os pais são pessoas diferentes dos filhos, têm projetos de vida diferentes.
Farão um bom trabalho se os ajudarem a descobrir e a realizar os seus próprios
projetos, aceitando que serão independentes e que tal não significa perdê-los.
Não impor regras pode ser uma violência?
Absolutamente. Colocar limites tem que ver com
o cuidado do outro e ensina a criança a cuidar de si, já que se orienta melhor
na vida seguindo essas pautas de conduta.
O castigo é útil?
Muito, desde que justo e fundamentado. A
consciência das crianças educa-se e isso implica aprenderem que há coisas que
são permitidas e outras não, e conhecerem as consequências de não obedecerem às
normas.
Num caso de bullying, como se explica à vítima que o problema não é insuperável?
Em Portugal houve o caso dramático do menino
que se lançou ao rio Tua. Não foi um ato precipitação. Havia que analisar muito
bem essa criança. O que terá ela vivido? O sofrimento foi de certeza
incalculável. Temos de falar com os jovens, ouvi-los sem silêncio porque
queremos saber o que se passa e ajudá-los. As crianças sofrem muito sem
verbalizar.
E como se lida com agressor? Terá sido criado num
modelo de paternidade permissiva?
O professor
tem de detetar o líder do grupo e confrontá-lo. «Qual é o teu problema?
Sentes-te forte porque bates nos outros, quando devias senti-lo por seres bom
aluno. Ninguém gosta realmente de tis, sabes? Uns temem-te, outros respeitam-te
por medo, mas se fosses a votos secretos ninguém te escolhia.» Tenho carinho
pelas vítimas e pelos agressores. Eles também sofrem. Pergunto-lhes o que se
passa em casa, tento perceber a disfunção e faço-lhes ver que podem tornar-se
queridos por serem cooperativos, capazes de outro tipo de liderança. Também os
aviso que sei o que fizeram e estou de olho, eles que nem tentem repetir a
façanha. Eles apreciam que alguém esteja atento ao que fazem.»
O blogue "Dialogar" agradece o contributo da professora Elza Pinto que sugeriu este artigo e a colaboração da aluna Cláudia Santos (10º I) que digitou o artigo supracitado.
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