terça-feira, 1 de maio de 2012

"Amigo puxa amigo, amigos puxam ideias e ideias puxam ideias". Miguel Portas

Miguel Portas faria hoje, Dia do Trabalhador, 54 anos.
Miguel Portas, em Julho de 2008, concedeu uma entrevista à revista "Visão", onde, entre muitos temas, fala do seu interesse precoce pela política. Numa época em que a política "pouco ou nada diz" a muitos jovens, vale a pena dedicar algum tempo às palavras, quem sabe inspiradoras, de Miguel Portas.


«(…) E leituras nessa época? Lia o que os outros miúdos liam, aventuras e essas coisas?

Suspeito que me pus a ler Marx, quando devia andar a ler a Enid Blyton [Risos]. Desde muito cedo me meti em leituras - que, para ser inteiramente franco, não estaria em idade de poder compreender plenamente. Essas leituras começam à volta dos temas da fé. Lembro-me perfeitamente de ter lido, com uns 12 anos, o Porque não sou Cristão do Bertrand Russel, por exemplo. Depois faço um conjunto bastante alargado de leituras marxistas. Isso tinha a ver com a necessidade que eu sentia de tentar perceber o mundo, a mim mesmo e a mutação pela qual estava a passar: do catolicismo para o cristianismo e deste para o marxismo.

E essa transição foi natural?

 Foi uma transição regrada pela dupla vontade de perceber as coisas e uma busca de verdade e de coerência pela qual passaram muitas pessoas. Muitos vieram ao marxismo a partir de crises de fé ou convicção de natureza religiosa. Tive uma relação com o comunismo que foi, durante muitos anos, marcada por aquilo a que se poderia chamar a fé. Aos 15 anos começou a militar na União de Estudantes Comunistas (UEC) e esse activismo levou-o a ser preso pela Pide. Foi uma detenção - não gosto de aplicar a palavra prisão. Em dezembro de 1973, estávamos 150 estudantes do ensino secundário reunidos numa assembleia de estudantes na Faculdade de Medicina, no Hospital de Santa Maria, na sala 7 de Maio. O hospital foi cercado pela polícia e fomos todos dentro. Primeiro para a António Maria Cardoso, depois para o governo civil. Os mais velhos, que já tinham idade, ainda foram dar com os costados uma ou duas semanas a Caxias.

Essa detenção teve, apesar de tudo, vários significados. Quais?

No dia seguinte, por exemplo, os estudantes do padre António Vieira fizeram a sua primeira manifestação de rua, em solidariedade com os detidos. Ao mesmo tempo, a detenção irritou franjas e setores do próprio regime. Alguns dos detidos eram oriundos de boas famílias e essas famílias não gostaram de ver os filhos detidos e, principalmente, de os verem chegar a casa de cabelo rapado [a polícia rapou o cabelo aos rapazes]. Tal como não gostaram de ver as filhas metidas em celas com detidas de delito comum. E, portanto, equiparadas a prostitutas ou ladras. Na altura, isso foi complicado para o próprio regime. Mas era o regime já no seu estertor.

Depois foi viver com o pai. A dada altura, diz que ele lhe pagou, mais do que os estudos, a militância - uma espécie de "imposto revolucionário".

Foi outra graça com uma parte substantiva de verdade. Pertenço a uma geração que, estando ainda nos liceus, dividia o seu tempo entre o que tinha de ser - o estudo (estava obrigado a passar de ano) - e o que era uma vida de ativista associativo e estudantil bastante intensa. Frequentei a universidade ao mesmo tempo que trabalhava, pelo menos parte do tempo (a outra parte foi a fazer a tropa). Mas a verdade é que o meu pai acabou por financiar, de uma maneira ou de outra, alguma da minha atividade militante. E, quando perdi um ano, ele aí disse que eu estava a exagerar. E tinha toda a razão. Entretanto, meteu-se a tropa e demorei "dois planos quinquenais" a tirar o curso de economia [que terminou em 1986], entre estudos, trabalho e, também, vida de dirigente associativo.

O interesse precoce pela política teve a ver com as tais missas?

Indiretamente. Era miúdo e sempre gostei muito de História. Tinha uma família que, para todos os efeitos, era uma família de oposição. Dentro de casa falava-se e criticava-se abertamente o regime e falava-se dos assuntos da vida de uma maneira mais aberta do que, seguramente, na maioria das casas. E também porque, muito novo, comecei a ter atividades do tipo associativo... amigo puxa amigo, amigos puxam ideias e ideias puxam ideias...»

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