domingo, 27 de maio de 2012

Ansiedade nos exames

Dr.ª Raquel Silva, Psicóloga Clínica, dinamizadora da ação
No dia 22 de maio, pelas 21:00, decorreu, na Biblioteca da ESCCB, uma sessão de esclarecimento sobre “Como lidar com a ansiedade em época de exames”, dinamizada pela Dr.ª Raquel Silva, Psicóloga Clínica. Esta iniciativa, integrada no Plano Anual de Atividades da Escola, destinou-se, exclusivamente, aos pais/EE dos alunos sujeitos à realização de Exames Nacionais (9º, 11º e 12º anos) no presente ano letivo.

O Porquê e para quê da ação
Porque a época de exames é quase sempre interpretada e vivida com grande stresse e angústia, o Gabinete de Informação e Apoio ao Aluno da ESCCB achou por bem organizar uma sessão de esclarecimento sobre ansiedade e exames. Desta vez, elegemos os pais e encarregados de educação como público-alvo e definimos os seguintes objetivos: esclarecer o conceito de ansiedade; compreender de que forma a ansiedade influencia o desempenho do aluno; divulgar medidas capazes de ajudar a controlar a ansiedade face aos exames.
Ice breaking
Momento de convívio entre encarregados de educação e professores
A metodologia adotada
A nossa convidada, a Psicóloga Clínica Raquel Silva, esclareceu os aspetos cognitivos, emocionais, afetivos e comportamentais da ansiedade recorrendo à análise e interpretação de diapositivos sobre o tema e exercícios práticos. Foi também distribuído, aos encarregados de educação presentes, um folheto com informações relevantes a ter em conta antes, durante e depois do exame. O espaço escolhido para a realização desta atividade (Biblioteca da nossa escola) também  contribuiu para a criação de um ambiente favorável à troca de experiências e à comunicação interpares.

O público atento, participativo e acolhedor
A opinião dos pais e encarregados de educação
Ficam registadas, de seguida, algumas opiniões dos encarregados de educação presentes nesta iniciativa:
«Foi um espaço de reflexão que resultou numa partilha de experiências muito positiva, quase em jeito de “terapia de grupo”. As dicas da Dr.ª Raquel Silva poderão vir a ser muito úteis.»;
«De que falamos quando falamos de exames? Falamos de alunos, de pais, de professores em ansiedade, em tensão, em stresse, pois esses exames implicam um resultado. E esse resultado pode determinar o futuro de um jovem. Mas, será que esse resultado se deve sobrepor a tudo o resto? E os momentos de descontracção, de partilha e de simplesmente “viver a vida”? É verdade! E foi neste ambiente que decorreu a sessão de esclarecimento “Como lidar com a ansiedade em época de exames”, tão bem dinamizada pela Dr.ª Raquel Silva e acolhida por todos os participantes que, enquanto mães e pais, vivem em constante aprendizagem e procura de respostas para as suas dúvidas e ansiedade.»;
«A escola, com todas as suas expectativas e exigências, pode ser também uma grande fonte de stresse nos nossos jovens e, por isso, causadora de ansiedade. Sentimentos de desilusão, incumprimento ou medo de falhar perante os outros ou com o próprio são motivo de angústia e ansiedade. Não  foi objetivo desta sessão dar soluções, porque não há receitas, mas através do debate de ideias e a partilha de experiências foi-nos possível refletir, partilhar e apontar algumas soluções para ajudar os nossos jovens a superar e a lidar com a ansiedade.»;

«Gostava de deixar o meu apreço por todos os que contribuíram para a realização desta atividade. Parabéns pela organização e iniciativa. Achei o tema em discussão (ansiedade) muito oportuno e muito atual. Vivem ansiosos os filhos e os pais nestes tempos difíceis em que a competição é muita e as certezas são poucas. Fui muito agradável e muito pragmática a comunicação da Drª Raquel, muito interessante a partilha e o convívio entre pais/encarregados de educação e muito úteis os conselhos e exercícios propostos para o controlo da ansiedade. Eu, particularmente, vou passar a respirar mais, às vezes com tanta ansiedade, quase nos esquecemos do mais elementar.»

Em jeito de conclusão

Em circunstâncias normais a ansiedade é  um elemento facilitador, na medida em que nos prepara para agir, mas quando vivida em excesso transforma-se num elemento debilitante e ameaçador do sucesso escolar. Há toda uma aprendizagem a ser feita pelos alunos, pais e encarregados de educação. É preciso aprender  a tirar proveito da ansiedade, ajustar expetativas, compreender que uma preparação adequada e atempada é a melhor estratégia para vencer obstáculos e, por fim, mas não menos importante, é fundamental aprender a relativizar determinados momentos do nosso percurso escolar, profissional e pessoal. Os exames são uma etapa importante para a concretização dos nossos objetivos. Mas, atenção, há vida para além dos exames!...

domingo, 20 de maio de 2012

Convite aos Pais/Encarregados de Educação

O Gabinete de Informação e Apoio ao Aluno, em colaboração com a Biblioteca da Escola Secundária/3 Camilo Castelo Branco, convidam os Pais/EE a participarem na sessão de esclarecimento “Como lidar com a ansiedade em época de exames”, dinamizada pela Dr.ª Raquel Silva, Psicóloga Clínica, que se realizará no próximo dia 22 de maio, pelas 21:00, na Biblioteca desta escola.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Conhece crianças afluentes?


Daniel Sampaio (n. 1946) é um psiquiatra e escritor português.
Conhece crianças afluentes? Se desconhece o significado deste conceito, então leia a seguinte crónica do Psiquiatra Daniel Sampaio (Pública, 5 de fevereiro de 2012). Se, após a leitura desta crónica, tudo isto lhe parecer estranhamente familiar, então prepare-se para agir...

«As crianças afluentes são abundantes em tudo: falam muito, exigem demasiado, manifestam os seus pontos de vista com excessiva exuberância. Há muito deixaram de se preocupar com os outros e permanecem centradas em si mesmas. O seu quotidiano é preenchido por movimentos constantes de birras, protestos ou tentativas de sedução, conforme as circunstâncias do momento. O seu discurso é caudaloso, quer em casa quer na escola, como se não pudessem existir, um só momento, fora do trono que ocupam. Durante alguns minutos por dia, são capazes de ficar em silêncio, curvadas sobre si próprias: nessa altura, pais e professores suspiram de alívio, mas é apenas o descanso do guerreiro. De repente tudo volta ao ponto de partida e a profusão regressa, como se aquelas tréguas só pudessem ser de curta duração.

Observemos o seu quotidiano. Imaginemos uma dessas crianças: rapaz, onze anos, 6º ano de escolaridade, um irmão mais novo. Quando é acordado pela mãe para ir para a escola, logo começa a protestar porque é cedo e está frio. Em regra não toma o pequeno-almoço, toda a família já se atrasou com o protesto inicial e o menino agora embirra com o leite matinal. Chega à escola e não fala às auxiliares, mas não hesita em gozar um colega mais frágil ou em desafiar a professora, sobretudo se não for logo gratificado com uma atenção privilegiada. A afronta pode ser uma recusa de resposta, olhos para baixo e braços cruzados com força, ou aparecer sob forma disfarçada, através de uma série interminável de perguntas, para as quais há muito conhece as soluções. Nos testes, olha para o colega do lado para espreitar as respostas, estuda pouco mas quanto baste para não reprovar.

Chega o primeiro intervalo. Irritado e cheio de forme, abranda a sua fúria numa bola de Berlim com creme, ou num donut ressequido do bar da escola. Não dispensa uma piada a que o receia e é hábil nas graças às raparigas. De regresso às aulas, é o momento de armar em líder da turma e protestar quando a professora tentar impor a disciplina.

Almoça longe do refeitório, isso é para os chungas. Prefere comer no café mais próximo, a exigência diária de dinheiro aos pais permite-lhe escolher a ementa. De tarde, está sonolento nas aulas, olha com ar de desafio em seu redor, não toma nota dos trabalhos de casa.

Vai ao judo com a mãe, que aparece a correr deixando o trabalho a meio. Aplica-se pouco, a sua cabeça está no centro comercial onde a seguir vai exigir T-shirt e pólo de marca, ténis à moda ou mais um jogo para a PlayStation. No carro de regresso a casa, protesta uma vez mais: a T-shirt é de uma cor que não aprecia, faltou comprar mais um par de calças.

Os trabalhos de casa são feitos a correr, em alternativa exige à mãe uma justificação para a professora se não os faz. Ignora a chegada do pai, pois desde há muito está no Facebook ou a lançar tiros em jogos de computador. Janta em tabuleiro uma fatia de pizza, de volta aos jogos não aceita ir para a cama à hora supostamente combinada. No quarto tem televisão, computador e a amiga PlayStation, quanto mais tarde fechar a luz, mais vencedor se sentirá.

No dia seguinte, tudo recomeça: uma série caudalosa de exigência, raiva descontrolada e retaliação para quem ouse opor-se. Os pais, desesperados, consultam um psicólogo que o ouve com atenção mas que, muitas vezes, lhe reforça a omnipotência.

Estas crianças afluentes esquecem que a sociedade já não é afluente. O cibercapital inundou todos numa torrente de escassez financeira e penúria emocional. Aos meninos afluentes tudo foi dado ou prometido, porque os pais e avós deixaram que fossem os mais novos a mandar na família, em vez de ser a família a organizar o quotidiano das crianças.»

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Não Proteja Tanto O Seu Filho

Não Proteja Tanto O Seu Filho, de Javier Urra, in Notícias Magazine

Como é impossível manter sempre as crianças longe dos traumas, o melhor é prepará-las (e aos pais) para enfrentar adversidade. O psicólogo espanhol Javier Urra dá algumas receitas.

Como é que equipamos os filhos com airbags para os encontrões da vida?

Primeiro, espicaçando-os. Depois, não os superprotegendo e entendendo que enfrentar a realidade, a tristeza, os momentos traumáticos e as perdas não significa entristecer a vida. Ensinar às crianças pequenas o que é a frustração, ensiná-las a aceitar que há coisas que requerem tempo e exigem que esperem.

É essa ideia forte do seu último livro, Prepara o Teu Filho para a Vida, Valores para Crescer Feliz? Mostrar aos jovens que terão de lidar com problemas e traumas?

Temos de ensiná-los que a dor existe, mas que as pessoas se recriam no sofrimento. Há quem viva na nostalgia e tem esse direito – às vezes dá gosto sentir um pouco de tristeza. Contagioso é ficar a ruminar no que podia ter sido porque a criança não quis isto e fez aquilo. Educar é dar informação para a vida. Conheço pessoas que perderam as pernas ou têm cancro no pâncreas: há as que descobrem formas de não quebrar e as que sofrem o tempo todo. Mesmo sofrendo é possível fortalecer o caráter, os traços pessoais, o contexto, para alcançar um novo projeto.

A psicologia positiva chama a isso resiliência.

E é uma qualidade que se adquire. Não se nasce resiliente. Os indivíduos têm a capacidade de manter um equilíbrio estável durante um processo desfavorável. É preciso educar os mais novos para o perdão e a compaixão, para o altruísmo. «Tens quatro brinquedos, queres dar um àquele menino? Sim ou não?» Não é difícil. É ensiná-los que o facto de quererem dar os torna altruístas e serão mais felizes assim, porque são responsáveis pelos seu atos e o que fazem tem consequências. Se isto for transmitido desde o início torna-se um processo natural.

Quando é que se começa a construir a resiliência das crianças?

Desde que nascem. Até antes, quando os progenitores se preparam para a sua vinda. Os pais tendem a ser demasiado protetores: não deixam a criança brincar, com medo que caia, correm para o pediatra se tosse e muitos separam-se logo que o filho sai de casa, porque passaram anos a viver para ele, esquecendo o resto. É um erro. Luto contra o crescimento de crianças indefesas. Um jovem só será capaz de enfrentar problemas sem se deixar paralisar se tiver aprendido a tomar decisões e a sair positivamente transformado das experiências piores.

Até que ponto o otimismo e o bom humor são importantes neste processo de crescimento?

O otimismo realista e o humor inteligente libertam de culpa e diminuem a angústia. Somos peritos a antecipar a morte e a sofrer de angústia profunda. Os últimos dados da Organização Mundial de Saúde indicam que a principal causa de morte entre os jovens de 24 anos, nos países da OCDE [Organização para a Cooperação Económica e Desenvolvimento], é o suicídio. Isso tem de dar-nos que pensar.

Considera que os pais caem muitas vezes num tipo de educação permissiva?

Sem dúvida. As mudanças nos últimos anos fazem que a educação que receberam não sirva para educar as novas gerações, além de se alimentar a ideia de que os pais devem viver exclusivamente para os filhos. A criança não pode ser mais importante do que os pais, ou irá crescer dependente.

Isso acontece por quererem proteger os filhos de tudo? Acham que os amam mais assim?

Talvez por sentimentos de culpa e por se aceitar que uma criança não se trava. Se um garoto tem um problema com o professor, o pai vai lá, envolve a diretora, o psicólogo, mas desresponsabiliza o filho. Ensina-se às crianças que têm direitos, mas não deveres. E não melhorámos nada nos últimos trinta anos. Quando publiquei O Pequeno Ditador [2007], os psicólogos aperceberam-se dos milhares de casos que havia em Espanha de pais agredidos pelos filhos e de filhos que se recusam a sair da casa paterna por serem eles quem manda, em resultado de falhas graves de autoridade e de dependência afetivas dos pais. Assim não educamos.

Como se fazem bons pais?

Ser bom pai é algo que surge naturalmente, sem necessidade de deixar de se ser quem se é. Os pais são pessoas diferentes dos filhos, têm projetos de vida diferentes. Farão um bom trabalho se os ajudarem a descobrir e a realizar os seus próprios projetos, aceitando que serão independentes e que tal não significa perdê-los.

Não impor regras pode ser uma violência?

Absolutamente. Colocar limites tem que ver com o cuidado do outro e ensina a criança a cuidar de si, já que se orienta melhor na vida seguindo essas pautas de conduta.

O castigo é útil?

Muito, desde que justo e fundamentado. A consciência das crianças educa-se e isso implica aprenderem que há coisas que são permitidas e outras não, e conhecerem as consequências de não obedecerem às normas. 

Num caso de bullying, como se explica à vítima que o problema não é insuperável?

Em Portugal houve o caso dramático do menino que se lançou ao rio Tua. Não foi um ato precipitação. Havia que analisar muito bem essa criança. O que terá ela vivido? O sofrimento foi de certeza incalculável. Temos de falar com os jovens, ouvi-los sem silêncio porque queremos saber o que se passa e ajudá-los. As crianças sofrem muito sem verbalizar.

E como se lida com agressor? Terá sido criado num modelo de paternidade permissiva?

O professor tem de detetar o líder do grupo e confrontá-lo. «Qual é o teu problema? Sentes-te forte porque bates nos outros, quando devias senti-lo por seres bom aluno. Ninguém gosta realmente de tis, sabes? Uns temem-te, outros respeitam-te por medo, mas se fosses a votos secretos ninguém te escolhia.» Tenho carinho pelas vítimas e pelos agressores. Eles também sofrem. Pergunto-lhes o que se passa em casa, tento perceber a disfunção e faço-lhes ver que podem tornar-se queridos por serem cooperativos, capazes de outro tipo de liderança. Também os aviso que sei o que fizeram e estou de olho, eles que nem tentem repetir a façanha. Eles apreciam que alguém esteja atento ao que fazem.»

O blogue "Dialogar" agradece o contributo da professora Elza Pinto que sugeriu este artigo  e a colaboração da aluna Cláudia Santos (10º I) que digitou o artigo supracitado.

domingo, 13 de maio de 2012

Porque quero ser realista...

«Não morreu. Não sou capaz de viver sem esperança. A esperança é difícil, constrói-se. Muitas vezes o optimismo tem que passar pelo pessimismo, pela consciência de que as coisas são difíceis e de que é preciso mudá-las. Neste momento não há grandes razões para ter esperança. Não há respostas, não há milagres. Mas há uma coisa que se chama vontade, inteligência. E aquilo que alguns disseram noutras circunstâncias: "Sejamos realistas, vamos fazer o impossível".»

[Manuel Alegre
em entrevista a Anabela Mota Ribeiro (27-04-2012, "Jornal de Negócios"]

sexta-feira, 11 de maio de 2012

"... e não é nunca esse momento"



Bernardo Sasseti (1970-2012)

“morre-se nada
quando chega a vez

é só um solavanco
... na estrada por onde já não vamos
...
morre-se tudo
quando não é o justo momento

e não é nunca
esse momento”

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O professor boémio e o professor dedicado

«(…)Imagine dois professores de filosofia que dão aulas na mesma escola. Ambos também têm os mesmos recursos financeiros, talentos naturais e antecedentes sociais. Um dos professores é, no seu tempo livre, um boêmio que esbanja seu dinheiro em boates caras. Como ele também tem uma família para sustentar, muitas vezes fica sem dinheiro para pagar as contas. Nessas situações de apuros financeiros ele recorre ao apoio social do estado. O outro professor, por sua vez, dedicou-se no seu tempo livre a estudar mais filosofia. Com muito esforço e dedicação ele passa até mesmo a fazer palestras para complementar sua renda, ganhando duas vezes mais do que antes. De acordo com o princípio da diferença as desigualdades de renda só são permitidas se beneficiam os menos favorecidos. Isso implica em dizer que nesse caso o professor boêmio deve ser beneficiado pelo professor dedicado, mas esta conseqüência é inaceitável, pois vai contra nossas intuições morais fundamentais de justiça. Pensamos que é justo compensar os custos que não são escolhidos como as doenças e deficiências de algumas pessoas, mas é injusto compensar os custos escolhidos pelas pessoas. A teoria de Rawls nos diz que o professor dedicado deve sustentar não apenas as suas próprias escolhas, mas também as escolhas do professor esbanjador, por meio de impostos. Essa conseqüência implausível ocorre porque o princípio da diferença proposto por Rawls não faz distinção entre custos escolhidos e não escolhidos. Cada pessoa pode ter o estilo de vida que preferir e por isso temos a intuição de que é justo que cada um deva ser responsável pelo custo de suas escolhas, mas a teoria de Rawls não capta essa intuição fundamental. (…)»
Por Matheus Silva, in http://networkedblogs.com/xaudX


quarta-feira, 9 de maio de 2012

"Belo é o que nos faz parar"

Col Tempo, Giorgione (1477-1510)
«Mas a obra realizada pelo artista deverá ser sempre “bela”, no sentido de “bonita”, quer dizer, o contrário de “feia”? Tem de se basear explicitamente na harmonia e equilíbrio entre as partes, na perfeição do conjunto, ou poderá colher também o dissonante e até o disforme? A santíssima trindade platónica é constituída pelo Bem, pela Verdade e pela Beleza e pertence a uma ordem ideal para lá deste mundo, mas a tríade infernal que parece, em contrapartida, presidir aos nossos conflitos terrenos é constituída pelo Mal, pelo Falso e pelo Feio. Será obrigação do artista aspirar apenas a mostrar-se devoto da primeira trindade, ou também inclui na sua tarefa dar-se conta e dar-nos conta da segunda? Tomemos por exemplo o caso de Giorgione, um dos pintores mais sublimes do Renascimento italiano. Reproduziu muitas vezes a beleza de figuras humanas graciosas, mas, no entanto, também pintou o retrato implacavelmente fiel de uma velha desdentada e decrépita que devia ter sido bonita na sua mocidade, porque o quadro se intitula Col Tempo (“Com o tempo”). Não é um quadro que represente a beleza mas antes o que o tempo costuma fazer à beleza. E a velha assim representada não é “bela” sob nenhum ponto de vista, nem sequer a destrutiva passagem dos anos que a reduziu a tão triste estado físico tem nada de bonito ou de harmonioso. Traiu então Giorgione o seu compromisso artístico com a “beleza” pintando algo que quase produz em nós repulsa e que pode levantar negros temores se refletirmos sobre isso? Contudo, atrever-me-ia a dizer que o quadro é artisticamente “belo”, mesmo infinitamente mais belo que muitas reproduções tópicas de paisagens adocicadas ou de alguma Miss universo na flor da idade. Porquê?»
Fernando Savater, As perguntas da Vida, p. 233 

terça-feira, 8 de maio de 2012

A obsessão de se perdurar

A obsessão de se perdurar. Ela podia ser um argumento, se não o é, em favor da imortalidade do homem. Já não falo dos que “da lei da morte se vão libertando” por obras, feitos militares ou desportivos, e o mais assim, que é já um processo provado desde sempre. Falo por exemplos dos maníacos que dispuseram as coisas para serem congelados depois de mortos e serem ressuscitados depois de descoberto o remédio para a doença de que morriam. Falo dos que gravam o nome nas árvores, nos monumentos, no interior das retretes públicas, normalmente nomes jamais identificáveis mas que julgam agradável escrever para serem lidos mesmo por quem não os identifique. Falo de todos os processos dos mais altos aos mais ridículos, que todos são ridículos no silêncio e na escuridão da morte. Mas acontece que a tecnologia nos permite guardarmos espontaneamente uma massa enorme de registos dos que passaram. São não só os livros que foram registo desde há muito, mas guardam apenas o indefinível e a impessoalidade, para lá do que da pessoalidade neles se pode deduzir, mas ainda e sobretudo os registos mais modernos como filmes, discos, fitas gravadas, vídeos. Decerto seria interessante ouvirmos hoje a voz de Camões e sobretudo vê-lo da sua realidade de pessoa. Mas que será o montão desses registos daqui a cem, a quinhentos anos? A população mundial aumenta assustadoramente. Ela é já de quatro ou cinco biliões e admite-se que duplique até ao fim do século. Se não se escoam os excedentes para Marte ou outro planeta, vamos andar aos empurrões uns aos outros. Junte-se agora a excesso de material humano a montanha de registos de toda a espécie e o formigueiro aumenta extraordinariamente. Mas pior de tudo deve ser a confusão de vidas já mortas e todavia vivas a atropelar-nos ainda mais. Porque nunca mais se morrerá de todo. Ora, a morte, como todas as leis da vida, são para se cumprirem. E se o suicídio não for obrigatório após certo limite, que seja ao menos obrigatória a morte daqueles que já morreram. Nós só temos História de há poucos milénios. O resto é silêncio. E é porque é silêncio, que não fazemos ainda ideia do barulho que vai ser. E o destino do universo é o silêncio absoluto

Vergílio Ferreira, Conta-corrente, vol. IV, p.339

O que pensar, hoje, das palavras de Vergílio Ferreira? Qual o sentido deste texto na atual sociedade da informação?

domingo, 6 de maio de 2012

Dia da Mãe versus Dia Mundial do Riso

«mãe, cada palavra que me ensinaste repete mil vezes o teu nome.» ♥
José Luís Peixoto,
in "A Casa, a Escuridão".
 
 
Rir para esquecer a dor... é assim que me lembro de ti mãe, o teu sorriso tornava tudo mais fácil, afastava os papões, tornava as inseguranças e os medos em pequenos passos para as vitórias...ensinaste - me a tirar partido de tudo o que a vida nos dá...foi o teu optimismo que me fez ser positiva e transmitir isso ao teu neto, sinto a tua falta mas revejo - te em cada gargalhada que dou, por isso onde quer que estejas mãe sorri para mim...






sexta-feira, 4 de maio de 2012

Dia Mundial da liberdade de imprensa e expressão


«Al perderte Yo a ti
Tú y Yo hemos perdido
Yo porque tú fuiste lo que Yo más amaba
Y tú porque Yo era el que te amaba más.
Pero de nosotros dos
... Tú pierdes más que Yo:
Porque Yo podré amar a otras
Como te amaba a ti
Y a ti no te amarán
Como te amaba Yo.» 



 [de Ernesto Cardenal,

a quem foi atribuído o Prémio Reina Sofia de Poesia em 3 de maio de 2012]

quinta-feira, 3 de maio de 2012

"Libertar as palavras".

A iniciativa para promover o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa e de Expressão, dia 3 de maio, partiu da UNESCO (organização das Nações unidas para a Educação, Ciência e Cultura).

De entre as várias iniciativas levadas a cabo para assinalar este dia, aqui concedemos especial destaque ao projeto “Freedom Dictionary “, da responsabilidade da Amnistia Internacional.

Um projeto que visa “libertar palavras”, com todo o simbolismo que esta expressão encerra…

terça-feira, 1 de maio de 2012

"Amigo puxa amigo, amigos puxam ideias e ideias puxam ideias". Miguel Portas

Miguel Portas faria hoje, Dia do Trabalhador, 54 anos.
Miguel Portas, em Julho de 2008, concedeu uma entrevista à revista "Visão", onde, entre muitos temas, fala do seu interesse precoce pela política. Numa época em que a política "pouco ou nada diz" a muitos jovens, vale a pena dedicar algum tempo às palavras, quem sabe inspiradoras, de Miguel Portas.


«(…) E leituras nessa época? Lia o que os outros miúdos liam, aventuras e essas coisas?

Suspeito que me pus a ler Marx, quando devia andar a ler a Enid Blyton [Risos]. Desde muito cedo me meti em leituras - que, para ser inteiramente franco, não estaria em idade de poder compreender plenamente. Essas leituras começam à volta dos temas da fé. Lembro-me perfeitamente de ter lido, com uns 12 anos, o Porque não sou Cristão do Bertrand Russel, por exemplo. Depois faço um conjunto bastante alargado de leituras marxistas. Isso tinha a ver com a necessidade que eu sentia de tentar perceber o mundo, a mim mesmo e a mutação pela qual estava a passar: do catolicismo para o cristianismo e deste para o marxismo.

E essa transição foi natural?

 Foi uma transição regrada pela dupla vontade de perceber as coisas e uma busca de verdade e de coerência pela qual passaram muitas pessoas. Muitos vieram ao marxismo a partir de crises de fé ou convicção de natureza religiosa. Tive uma relação com o comunismo que foi, durante muitos anos, marcada por aquilo a que se poderia chamar a fé. Aos 15 anos começou a militar na União de Estudantes Comunistas (UEC) e esse activismo levou-o a ser preso pela Pide. Foi uma detenção - não gosto de aplicar a palavra prisão. Em dezembro de 1973, estávamos 150 estudantes do ensino secundário reunidos numa assembleia de estudantes na Faculdade de Medicina, no Hospital de Santa Maria, na sala 7 de Maio. O hospital foi cercado pela polícia e fomos todos dentro. Primeiro para a António Maria Cardoso, depois para o governo civil. Os mais velhos, que já tinham idade, ainda foram dar com os costados uma ou duas semanas a Caxias.

Essa detenção teve, apesar de tudo, vários significados. Quais?

No dia seguinte, por exemplo, os estudantes do padre António Vieira fizeram a sua primeira manifestação de rua, em solidariedade com os detidos. Ao mesmo tempo, a detenção irritou franjas e setores do próprio regime. Alguns dos detidos eram oriundos de boas famílias e essas famílias não gostaram de ver os filhos detidos e, principalmente, de os verem chegar a casa de cabelo rapado [a polícia rapou o cabelo aos rapazes]. Tal como não gostaram de ver as filhas metidas em celas com detidas de delito comum. E, portanto, equiparadas a prostitutas ou ladras. Na altura, isso foi complicado para o próprio regime. Mas era o regime já no seu estertor.

Depois foi viver com o pai. A dada altura, diz que ele lhe pagou, mais do que os estudos, a militância - uma espécie de "imposto revolucionário".

Foi outra graça com uma parte substantiva de verdade. Pertenço a uma geração que, estando ainda nos liceus, dividia o seu tempo entre o que tinha de ser - o estudo (estava obrigado a passar de ano) - e o que era uma vida de ativista associativo e estudantil bastante intensa. Frequentei a universidade ao mesmo tempo que trabalhava, pelo menos parte do tempo (a outra parte foi a fazer a tropa). Mas a verdade é que o meu pai acabou por financiar, de uma maneira ou de outra, alguma da minha atividade militante. E, quando perdi um ano, ele aí disse que eu estava a exagerar. E tinha toda a razão. Entretanto, meteu-se a tropa e demorei "dois planos quinquenais" a tirar o curso de economia [que terminou em 1986], entre estudos, trabalho e, também, vida de dirigente associativo.

O interesse precoce pela política teve a ver com as tais missas?

Indiretamente. Era miúdo e sempre gostei muito de História. Tinha uma família que, para todos os efeitos, era uma família de oposição. Dentro de casa falava-se e criticava-se abertamente o regime e falava-se dos assuntos da vida de uma maneira mais aberta do que, seguramente, na maioria das casas. E também porque, muito novo, comecei a ter atividades do tipo associativo... amigo puxa amigo, amigos puxam ideias e ideias puxam ideias...»