segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

"O tempo gosta de nos ver descansar"

A persistência da memória, Salvador Dalí



"Como vivem obcecados pelo medo de perderem o seu tempo, todos os Papalaguis - sejam homens, mulheres ou crianças - sabem com exatidão quantas vezes nasceu o sol e a lua desde que viram pela primeira vez a luz do dia. Este acontecimento é considerado tão importante que o celebram, a intervalos de tempos fixos e regulares, com flores e grandes festas.

Ter uma idade, quer dizer: ter vivido um determinado número de luas. Isto de se perguntar qual o número de luas, apresenta grandes perigos, pois assim se acabou por determinar quantas luas dura em geral a vida dos homens. Ora acontece que cada um, sempre muito atento a isso, passadas que foram inúmeras luas, dirá: "Pronto! Não tarda muito que eu não morra!" Nada mais lhe causa alegria e, de facto, acaba por morrer daí a pouco tempo.

O tempo é calma, paz e sossego, gosta de nos ver descansar. O Papalagui não percebeu o que o tempo é. É por isso que o maltrata, com seus modos rudes.

Oh meus queridos irmãos! Nós nunca nos queixámos do tempo, amámo-lo e acolhemo-lo tal como ele é, nunca corremos atrás dele, nunca tentámos fechá-lo ou cortá-lo em pedaços. Nunca o tempo nos deixou desesperados ou acabrunhados. Não precisamos de mais tempo do que o que temos, temos sempre tempo suficiente.

Sabemos que atingiremos o nosso alvo a tempo e que muito embora ignoremos quantas luas se passaram, o Grande Espírito nos chamará quando lhe aprouver.

Devemos curar o Papalagui da sua loucura e desvario, para que ele volte a ter a noção do verdadeiro tempo que tem perdido. Devemos destruir as suas pequenas máquinas do tempo e levá-lo a confessar que há muito mais tempo do nascer ao pôr-do-sol do que ao homem lhe é dado gastar."

In "O Papalagui"

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