"Pensa-se por vezes que se deve abandonar o pensamento
filosófico enquanto não houver métodos científicos apropriados para investigar
tais temas. Há nesta perspectiva dois aspectos que merecem reflexão. Em
primeiro lugar, trata-se de uma ideia filosófica e não científica. Isto é, não
se poderá provar num laboratório, ou através de um cálculo matemático, que
devemos abandonar o pensamento filosófico. A filosofia é irrecusável porque
mesmo para a recusar é necessário argumentar filosoficamente, o que é auto-refutante.
Compare-se com a recusa da astrologia, que não exige que se argumente
astrologicamente; e imagine-se quão ridículo seria um argumento contra a
astrologia baseado num mapa astral. Pode-se recusar a reflexão filosófica sobre
temas particulares, com argumentos filosóficos particulares que mostrem que
tais temas são insusceptíveis de reflexão séria, mas não se pode recusar a
filosofia em bloco sem usar argumentos filosóficos, o que acarreta uma
contradição óbvia. A filosofia é apenas o exercício da capacidade para o
pensamento crítico sobre qualquer tema susceptível de ser pensado
sistematicamente, mas insusceptível de tratamento científico. E saber que temas
são susceptíveis de serem pensados sistematicamente já é um problema
filosófico."
Desidério
Murcho
Excerto
retirado do capítulo "O Tempo e a Filosofia", incluído no livro Tempo
e Ciência, org. por Rui Fausto e Rita Marmoto (Lisboa: Gradiva, 2006).
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