“A arte de ouvir de Daniel Sampaio” é o título da entrevista conduzida por Analia Santos, aluna da Escola Secundária de Benavente, e coordenada por Bruna Pereira. A entrevista foi publicada, em 3 de Maio de 2010, na revista Forum Estudante e merece uma leitura atenta.
A versão integral desta entrevista encontra-se em
http://www.forum.pt/estudantes/perguntas-tu/1473
http://www.forum.pt/estudantes/perguntas-tu/1473
«(...)
- É psiquiatra. Como escolheu a sua profissão?
Eu decidi ser psiquiatra por influência de uma professora do Liceu Pedro Nunes, Maria Luísa Guerra, que era professora de Psicologia e de Filosofia e que ainda está viva e com quem ainda hoje converso. Foi ela que me interessou pela Psicologia... Depois os cursos de Psicologia, nessa altura, estamos a falar dos anos 60, ainda estavam pouco desenvolvidos em Portugal e como tinha um pai médico resolvi ir para Psiquiatria, mas fui para Medicina já com a ideia de seguir Psiquiatria, mas poderia ter sido psicólogo também.
- Que conselho dá aos jovens quando se deparam com tantas pressões dos pais, notícias de desemprego, vocação, saídas profissionais…
O primeiro conselho que eu dou às pessoas é, em primeiro lugar, que se imaginem 20 anos depois. Quando a pessoa tem 14 ou 15 anos e tem de começar a fazer escolhas nas áreas do 10º ano deve procura imaginar-se com 35 anos e ver como é que se concebe nessa altura e se sentir um desejo muito forte de ter uma determinada profissão acho que isso é o principal. Acho que não se deve ir para outra coisa ou porque não há emprego, ou porque os pais discordam, ou porque as pessoas acham que não é bom. Acredito mais nisso do que em testes psicológicos ou em outra forma de saber o que é que a pessoa quer fazer.
Depois acho que é bom falar com muita gente - algumas escolas já têm várias profissões que vão lá falar da vida dessas pessoas e eu acho que é útil contactar com muita gente e ver como é que as pessoas vivem a sua profissão
- Acha que os jovens de hoje em dia estão, por assim dizer, mais sujeitos a distúrbios como o bullying, anorexia, problemas relacionados com a sexualidade ou suicídio do que há umas décadas atrás, pela mudança dos tempos, pressão dos colegas, publicidade, internet e meios de comunicação social?
Não, não acho nada disso. As doenças psiquiátricas têm uma prevalência semelhante. A anorexia nervosa, ao contrário do que vem nos jornais, não tem aumentado, continua a ser uma doença rara. Agora há mais casos de bulimia, mas as doenças de comportamento alimentar não têm aumentado significativamente, o mesmo acontece com a esquizofrenia e a doença bipolar, têm-se mantido estáveis. Há é novos problemas e novas maneiras de encarar os problemas. Mesmo o fenómeno do bullying, que agora é muito falado, já existia antes - agora tem novas formas como o bullying através da internet e é estudado de forma diferente e fala-se mais do assunto… Mas não acho que os jovens de hoje tenham mais problemas do que os jovens de há 20 ou 30 anos. Têm, pelo contrário um maior conhecimento das situações, mais informação e têm, muitas vezes, situações diferentes, não quer é dizer que sejam mais graves.
- Também tem filhos. Como podem os pais ou os colegas perceber se algum aluno ou colega está a passar por um distúrbio que possa requerer a ajuda de um profissional?
A primeira coisa é a dificuldade que existe por parte dos adultos, porque muitos adultos não gostam de falar com gente nova: pais, professores… Há muitos adultos que dizem que se interessam muito com os problemas da juventude, mas isso não corresponde a uma prática… É um interesse teórico, porque para se perceber o que se passa com um jovem, uma criança ou um adolescente é preciso falar muitas vezes com ele, mais do que com um adulto, porque o adulto tem mecanismos mais fáceis de dizer aquilo que se passa consigo próprio. Nos adolescentes e nas crianças, muitas vezes, é através de um comportamento que nos faz perceber que a pessoa não está bem - ou porque deixa de comer ou deixa de dormir ou porque toma drogas ou porque tenta o suicídio… Portanto, é preciso estar muito atento aos sinais de alarme, mas para estar muito atento aos sinais de alarme é preciso ter capacidade de ouvir e ouvir através daquilo a que chamamos escuta activa: ouvir o jovem e ir fazendo algumas perguntas para clarificar as respostas. O que é fundamental perceber é se os comportamentos dos jovens são episódicos ou, pelo contrário, são persistentes. Um comportamento desadaptado persistente deve merecer a nossa atenção. Por exemplo, é perfeitamente possível que um jovem tenha uma negativa se ele persistir em ter muitas negativas e reprovar, isso é um comportamento que deve chamar a nossa atenção. Se um jovem falar que se quer suicidar, é um sinal de alarme, mas precisamos de saber a seguir se ele quer manter essa ideia, ou seja, temos de ir acompanhando, falando muito e, sobretudo, ouvindo muito para percebermos o que é que se está a passar e isso às vezes os adultos não têm tempo e eu diria que às vezes também não têm grande capacidade de ouvir. Esse é um dos grandes problemas da relação das pessoas mais velhas com as pessoas mais novas. (...)
- Em relação aos jovens, quais são os casos mais frequentes que lhe aparecem no consultório?
Os casos mais frequentes são os casos de ansiedade e depressão, são as patologias psiquiátricas mais frequentes – são os jovens que têm problemas de ansiedade em relação aos estudos, em relação à família… Em relação ao grupo dos jovens é a depressão, essa sim, agora mais frequente, portanto, há muitos jovens que aparecem com depressão e com ansiedade.
- Qual o caso que mais o marcou?
Há muitos casos que me marcaram. Talvez aquele que me tenha impressionado mais foi uma intervenção domiciliária que nós fizemos num jovem que estava fechado em casa, em que fizemos durante bastante tempo entrevistas com a família em que ele não participava e através de 12 ou 13 idas lá a casa, conseguimos que ele começasse a participar nessas reuniões com a família e hoje em dia tem uma vida normal, o que significa que deu muito trabalho, mas que valeu a pena. Infelizmente não se pode fazer isto para todos os jovens que o necessitariam de fazer, porque isto consumiu muito tempo, mas é uma prova de que não se deve desistir, porque parecia a princípio uma situação que iria terminar num internamento compulsivo – ele ia ser obrigado a ser internado e através desta actividade persistente de idas lá a casa nós conseguimos resolver esta situação de casa e pô-lo na escola.
- Como era o Daniel Sampaio no Ensino Secundário: rebelde, certinho…?
Isso há muitas histórias… Eu nunca fui muito certinho, como estudante do secundário eu era muito contestatário, temos de perceber que estávamos na época de Salazar e eu pertencia a uma coisa chamada Comissão Pró Associação dos Liceus, que era um movimento associativo dos liceus, das escolas secundárias, não era permitido que os estudantes se reunissem e a Comissão Pró Associação dos Liceus era considerada uma estrutura comunista, porque tudo o que era contra o regime era considerado comunista. Eu integrei essa comissão Pró Associação e fiz várias iniciativas, fiz conferências, fiz reuniões… Essa foi uma característica da minha participação no Liceu Pedro Nunes, que era aliás um liceu de elite na altura, onde fui aluno dessa professora Maria Elisa Guerra de que eu falei há bocado, e doutros professores muito bons. Era um liceu de elite, porque havia as escolas industriais e comerciais e eram os meninos com mais posses que iam para o Liceu Pedro Nunes, que era um liceu muito bom, mas que existia num regime autoritário.
Portanto, nós não tínhamos a possibilidade de nos associarmos para rigorosamente nada. Portanto, essa época foi muito de fazer comunicados, fazer textos, tentar fazer conferências, um jornal e guardo muito boas recordações dessa época, porque apesar de ser proibido, tivemos muitos professores que nos apoiaram nessas iniciativas. Foi mais uma vez um exemplo de que vale a pena lutar pelas coisas.»
Eu decidi ser psiquiatra por influência de uma professora do Liceu Pedro Nunes, Maria Luísa Guerra, que era professora de Psicologia e de Filosofia e que ainda está viva e com quem ainda hoje converso. Foi ela que me interessou pela Psicologia... Depois os cursos de Psicologia, nessa altura, estamos a falar dos anos 60, ainda estavam pouco desenvolvidos em Portugal e como tinha um pai médico resolvi ir para Psiquiatria, mas fui para Medicina já com a ideia de seguir Psiquiatria, mas poderia ter sido psicólogo também.
- Que conselho dá aos jovens quando se deparam com tantas pressões dos pais, notícias de desemprego, vocação, saídas profissionais…
O primeiro conselho que eu dou às pessoas é, em primeiro lugar, que se imaginem 20 anos depois. Quando a pessoa tem 14 ou 15 anos e tem de começar a fazer escolhas nas áreas do 10º ano deve procura imaginar-se com 35 anos e ver como é que se concebe nessa altura e se sentir um desejo muito forte de ter uma determinada profissão acho que isso é o principal. Acho que não se deve ir para outra coisa ou porque não há emprego, ou porque os pais discordam, ou porque as pessoas acham que não é bom. Acredito mais nisso do que em testes psicológicos ou em outra forma de saber o que é que a pessoa quer fazer.
Depois acho que é bom falar com muita gente - algumas escolas já têm várias profissões que vão lá falar da vida dessas pessoas e eu acho que é útil contactar com muita gente e ver como é que as pessoas vivem a sua profissão
- Acha que os jovens de hoje em dia estão, por assim dizer, mais sujeitos a distúrbios como o bullying, anorexia, problemas relacionados com a sexualidade ou suicídio do que há umas décadas atrás, pela mudança dos tempos, pressão dos colegas, publicidade, internet e meios de comunicação social?
Não, não acho nada disso. As doenças psiquiátricas têm uma prevalência semelhante. A anorexia nervosa, ao contrário do que vem nos jornais, não tem aumentado, continua a ser uma doença rara. Agora há mais casos de bulimia, mas as doenças de comportamento alimentar não têm aumentado significativamente, o mesmo acontece com a esquizofrenia e a doença bipolar, têm-se mantido estáveis. Há é novos problemas e novas maneiras de encarar os problemas. Mesmo o fenómeno do bullying, que agora é muito falado, já existia antes - agora tem novas formas como o bullying através da internet e é estudado de forma diferente e fala-se mais do assunto… Mas não acho que os jovens de hoje tenham mais problemas do que os jovens de há 20 ou 30 anos. Têm, pelo contrário um maior conhecimento das situações, mais informação e têm, muitas vezes, situações diferentes, não quer é dizer que sejam mais graves.
- Também tem filhos. Como podem os pais ou os colegas perceber se algum aluno ou colega está a passar por um distúrbio que possa requerer a ajuda de um profissional?
A primeira coisa é a dificuldade que existe por parte dos adultos, porque muitos adultos não gostam de falar com gente nova: pais, professores… Há muitos adultos que dizem que se interessam muito com os problemas da juventude, mas isso não corresponde a uma prática… É um interesse teórico, porque para se perceber o que se passa com um jovem, uma criança ou um adolescente é preciso falar muitas vezes com ele, mais do que com um adulto, porque o adulto tem mecanismos mais fáceis de dizer aquilo que se passa consigo próprio. Nos adolescentes e nas crianças, muitas vezes, é através de um comportamento que nos faz perceber que a pessoa não está bem - ou porque deixa de comer ou deixa de dormir ou porque toma drogas ou porque tenta o suicídio… Portanto, é preciso estar muito atento aos sinais de alarme, mas para estar muito atento aos sinais de alarme é preciso ter capacidade de ouvir e ouvir através daquilo a que chamamos escuta activa: ouvir o jovem e ir fazendo algumas perguntas para clarificar as respostas. O que é fundamental perceber é se os comportamentos dos jovens são episódicos ou, pelo contrário, são persistentes. Um comportamento desadaptado persistente deve merecer a nossa atenção. Por exemplo, é perfeitamente possível que um jovem tenha uma negativa se ele persistir em ter muitas negativas e reprovar, isso é um comportamento que deve chamar a nossa atenção. Se um jovem falar que se quer suicidar, é um sinal de alarme, mas precisamos de saber a seguir se ele quer manter essa ideia, ou seja, temos de ir acompanhando, falando muito e, sobretudo, ouvindo muito para percebermos o que é que se está a passar e isso às vezes os adultos não têm tempo e eu diria que às vezes também não têm grande capacidade de ouvir. Esse é um dos grandes problemas da relação das pessoas mais velhas com as pessoas mais novas. (...)
- Em relação aos jovens, quais são os casos mais frequentes que lhe aparecem no consultório?
Os casos mais frequentes são os casos de ansiedade e depressão, são as patologias psiquiátricas mais frequentes – são os jovens que têm problemas de ansiedade em relação aos estudos, em relação à família… Em relação ao grupo dos jovens é a depressão, essa sim, agora mais frequente, portanto, há muitos jovens que aparecem com depressão e com ansiedade.
- Qual o caso que mais o marcou?
Há muitos casos que me marcaram. Talvez aquele que me tenha impressionado mais foi uma intervenção domiciliária que nós fizemos num jovem que estava fechado em casa, em que fizemos durante bastante tempo entrevistas com a família em que ele não participava e através de 12 ou 13 idas lá a casa, conseguimos que ele começasse a participar nessas reuniões com a família e hoje em dia tem uma vida normal, o que significa que deu muito trabalho, mas que valeu a pena. Infelizmente não se pode fazer isto para todos os jovens que o necessitariam de fazer, porque isto consumiu muito tempo, mas é uma prova de que não se deve desistir, porque parecia a princípio uma situação que iria terminar num internamento compulsivo – ele ia ser obrigado a ser internado e através desta actividade persistente de idas lá a casa nós conseguimos resolver esta situação de casa e pô-lo na escola.
- Como era o Daniel Sampaio no Ensino Secundário: rebelde, certinho…?
Isso há muitas histórias… Eu nunca fui muito certinho, como estudante do secundário eu era muito contestatário, temos de perceber que estávamos na época de Salazar e eu pertencia a uma coisa chamada Comissão Pró Associação dos Liceus, que era um movimento associativo dos liceus, das escolas secundárias, não era permitido que os estudantes se reunissem e a Comissão Pró Associação dos Liceus era considerada uma estrutura comunista, porque tudo o que era contra o regime era considerado comunista. Eu integrei essa comissão Pró Associação e fiz várias iniciativas, fiz conferências, fiz reuniões… Essa foi uma característica da minha participação no Liceu Pedro Nunes, que era aliás um liceu de elite na altura, onde fui aluno dessa professora Maria Elisa Guerra de que eu falei há bocado, e doutros professores muito bons. Era um liceu de elite, porque havia as escolas industriais e comerciais e eram os meninos com mais posses que iam para o Liceu Pedro Nunes, que era um liceu muito bom, mas que existia num regime autoritário.
Portanto, nós não tínhamos a possibilidade de nos associarmos para rigorosamente nada. Portanto, essa época foi muito de fazer comunicados, fazer textos, tentar fazer conferências, um jornal e guardo muito boas recordações dessa época, porque apesar de ser proibido, tivemos muitos professores que nos apoiaram nessas iniciativas. Foi mais uma vez um exemplo de que vale a pena lutar pelas coisas.»
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