“Raspem”.
Vida despreocupada que se levava. A terra que se pisava era firme e dela brotavam sempre plantas que cresciam e nos davam frutos. E tudo o mais que era resultado do natural desenvolvimento, para algo nos servia.
E tudo ocupava um lugar. E todos os que o desocupassem, facilmente assumiriam um outro, sem grande preocupação quanto ao que tinham ou não que se cingir para o fazerem.
Lembro-me duma relativa harmonia. Um relativo equilíbrio. Uma terra relativamente farta, abençoada pela posse.
“Esgravatem mais!”.
O tempo passava sem se ter grande noção. Os aparelhos e coisas que nos diziam serem indispensáveis abundavam e eram de uma acessibilidade facilitada, ocupando o lugar de qualquer preocupação que pudesse existir.
E as necessidades
mudaram. Acresceram em quantidade e visibilidade e opinião alheia. Era-nos dado
um olhar esbugalhado de admiração perante o brilho das invenções que era
imperioso adquirir.
Mais posse.
“Mais fundo!”.
E comprámos mais. E
produzimos mais, mas cada vez menos. Cada vez maior era a nossa
insignificância. Pequenos em possibilidade mas enormes em ganância. Nada nem
ninguém nos parou de nos nivelarmos com outras terras cujas possibilidades se
igualaram ou pioraram em relação às nossas.
E outros que tanto
nos tiraram sem pedir, fizeram-no sempre com o nosso consentimento mudo.
Ainda assim,
erguem-se bandeiras, cantam-se e marcham-se hinos, de mão no lado esquerdo.
Erguem-se panos de sangue perdido e terras conquistadas com ferro e fogo e
sangue frio. E romperam todas as regras que os ultrapassavam e que lhes
assumiam uma insignificância extrema.
“Continua!”.
O quadro foi virado
contra a parece. A história enche-se de vergonhas e arrependimentos. A tinta da
pintura foi demasiado emendada, corrompendo a essência errada que possuía. São
postos panos para que nem a moldura se compreenda. Mas eles caem.
Tudo se descobre e
se entende.
Aquilo que criaram
vira-se agora contra vós. Queriam juntar tudo no mesmo tacho e conseguir uma
consistente densidade.
Mas é água e
azeite.
Não vos penetramos,
nem vós a nós.
Podem ser atiradas pedras
e tudo mais. A vergonha está pintada e escrita e lida e vista e ouvida por
todos aqueles que desrespeitais, mesmo estando vós em minoria.
Sois ignorantes,
mas prevaleceis com o pão ao alto. E nós, porque somos brutos e ensinados pela
vossa ignorância, não sabemos como chegar ao vosso pão que, enquanto nos
alimentou, nem sequer nos questionámos de onde vinha.
E hoje apanhamos as
migalhas que desse pão caem. Desenfreadamente nos trepamos para sermos os
primeiros a chegar às migalhas que são cada vez menos.
As que no chão caem
são engolidas pelo solo lamacento, humedecido pela saliva da vossa fome
infindável.
E esgravatamos para
as desenterrarmos e comermos para ter algo na boca. Só para ter algo na boca.
Só para absorver a saliva.
Nem ergueis a
cabeça para outra coisa que não empurrar quem vos tenta roubar a minúscula
migalha que encontrais.
Quando derem por
vocês mesmos sem mais por onde esgravatarem, tentareis trepar o muro de lama
que o vosso buraco criou. Mas é fundo demais e o muro demasiado mole.
Aos poucos desaba
em vós e lá ficareis. E sereis esquecidos, porque nem sequer por serem
lembrados se esforçaram.
Assim será o
percurso da maioria que não ergue a cabeça: a esgravatarem até que as unhas se
recusem a ficar nas mãos.
E a vossa ambição
por mais migalhas vos consumirá.
A migalha irá
assumir extrema relevância. Já a tem. Já matais por ela.
A vossa
racionalidade está a ser consumida pela necessidade física. Porque não passais
de animais.
Podeis ouvir
ensinamentos. Podeis contar lamentos. Mas os vossos cérebros não mais são que
lamacentos.
Mas continuai a
dar.
“Dá-me”.
Tirai.
“Dá-me”.
Comei.
Tiago José Chaves (11ºF, nº15)
21/11/2012
Projeto de Natal
Desenho A - Professora Fernanda Martins
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