quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

“O Avesso” de Tiago Chaves


“Raspem”.

Vida despreocupada que se levava. A terra que se pisava era firme e dela brotavam sempre plantas que cresciam e nos davam frutos. E tudo o mais que era resultado do natural desenvolvimento, para algo nos servia.

E tudo ocupava um lugar. E todos os que o desocupassem, facilmente assumiriam um outro, sem grande preocupação quanto ao que tinham ou não que se cingir para o fazerem.

Lembro-me duma relativa harmonia. Um relativo equilíbrio. Uma terra relativamente farta, abençoada pela posse.

“Esgravatem mais!”.

O tempo passava sem se ter grande noção. Os aparelhos e coisas que nos diziam serem indispensáveis abundavam e eram de uma acessibilidade facilitada, ocupando o lugar de qualquer preocupação que pudesse existir.

E as necessidades mudaram. Acresceram em quantidade e visibilidade e opinião alheia. Era-nos dado um olhar esbugalhado de admiração perante o brilho das invenções que era imperioso adquirir.

Mais posse.

“Mais fundo!”.

E comprámos mais. E produzimos mais, mas cada vez menos. Cada vez maior era a nossa insignificância. Pequenos em possibilidade mas enormes em ganância. Nada nem ninguém nos parou de nos nivelarmos com outras terras cujas possibilidades se igualaram ou pioraram em relação às nossas.

E outros que tanto nos tiraram sem pedir, fizeram-no sempre com o nosso consentimento mudo.

Ainda assim, erguem-se bandeiras, cantam-se e marcham-se hinos, de mão no lado esquerdo. Erguem-se panos de sangue perdido e terras conquistadas com ferro e fogo e sangue frio. E romperam todas as regras que os ultrapassavam e que lhes assumiam uma insignificância extrema.

“Continua!”.

O quadro foi virado contra a parece. A história enche-se de vergonhas e arrependimentos. A tinta da pintura foi demasiado emendada, corrompendo a essência errada que possuía. São postos panos para que nem a moldura se compreenda. Mas eles caem.

Tudo se descobre e se entende.

Aquilo que criaram vira-se agora contra vós. Queriam juntar tudo no mesmo tacho e conseguir uma consistente densidade.

Mas é água e azeite.

Não vos penetramos, nem vós a nós.

Podem ser atiradas pedras e tudo mais. A vergonha está pintada e escrita e lida e vista e ouvida por todos aqueles que desrespeitais, mesmo estando vós em minoria.

Sois ignorantes, mas prevaleceis com o pão ao alto. E nós, porque somos brutos e ensinados pela vossa ignorância, não sabemos como chegar ao vosso pão que, enquanto nos alimentou, nem sequer nos questionámos de onde vinha.

E hoje apanhamos as migalhas que desse pão caem. Desenfreadamente nos trepamos para sermos os primeiros a chegar às migalhas que são cada vez menos.

As que no chão caem são engolidas pelo solo lamacento, humedecido pela saliva da vossa fome infindável.


E esgravatamos para as desenterrarmos e comermos para ter algo na boca. Só para ter algo na boca. Só para absorver a saliva.

Nem ergueis a cabeça para outra coisa que não empurrar quem vos tenta roubar a minúscula migalha que encontrais.

Quando derem por vocês mesmos sem mais por onde esgravatarem, tentareis trepar o muro de lama que o vosso buraco criou. Mas é fundo demais e o muro demasiado mole.

Aos poucos desaba em vós e lá ficareis. E sereis esquecidos, porque nem sequer por serem lembrados se esforçaram.

Assim será o percurso da maioria que não ergue a cabeça: a esgravatarem até que as unhas se recusem a ficar nas mãos.


E a vossa ambição por mais migalhas vos consumirá.

A migalha irá assumir extrema relevância. Já a tem. Já matais por ela.

A vossa racionalidade está a ser consumida pela necessidade física. Porque não passais de animais.

Podeis ouvir ensinamentos. Podeis contar lamentos. Mas os vossos cérebros não mais são que lamacentos.

Mas continuai a dar.

“Dá-me”.

Tirai.

“Dá-me”.

Comei.
 
Tiago José Chaves (11ºF, nº15)


21/11/2012
Projeto de Natal
Desenho A - Professora Fernanda Martins


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