Os alunos do décimo ano de Artes Visuais realizaram ilustrações para as Histórias que criaram sobre o tema do seu projeto, O Aborto.
Inspiraram-se nas ilustrações da pintora Paula Rego, Série "Aborto", realizadas entre 1997 e 1999.
Para ver e refletir...
Algumas das ilustrações de Paula Rego
Série "Aborto" 1997-1999
TRABALHOS REALIZADOS PELOS ALUNOS
TRABALHO DO
GRUPO 1
Alexandra Vaz
Ana Cabeço
Tamára Silva
Teresa Lopes
HISTÓRIA
Havias - me dado este lenço… Este que carrego na
cabeça como fardo árduo do nosso amor passado. Suja, fria, outrora, esta casa
estava repleta de algo que defini como paixão. Paixão que nunca foi mais que
mera ignorância, crueldade, frieza. O silêncio persegue-me após os prantos de
dor, lágrimas que escorrem como ribeiros livres, sangue, como mar morto que se
expandirá sobre a minha cama, sobre a minha alma.
Tudo começou no campo. Pleno verão, campos sem fim
na minha aldeia. Tua nunca foi. Chegaste como turista, grande empreendedor. As
minhas mãos, sujas do trabalho no campo, apertavam as tuas, tão limpas.
A partir desse dia, continuamos a ver-nos. Eu
trabalhando e tu, nesse pedestal de aristocrata “gentleman”, patrão. Disseste
que me amavas pelos meus olhos pretos que te lembravam a escuridão de uma
noite. E essa noite aconteceu, apenas uma. Tão duro o meu destino que deixei em
sorte aos deuses… nessa noite. A minha ignorante alegria! Como pude eu ficar
alegre por carregar no ventre a nossa junção?!...
Partiste. Fugiste de tudo aquilo em que tinhas
criado raízes. Arrancaste-as, com as tuas próprias mãos tão limpas, que outrora
me tocaram como nunca antes havia algum homem feito. Tinhas sido tu a razão
para que os meus olhos pretos se transformassem em estrelas, que nessa
escuridão houvesse um brilho, um motivo.
Mas eu era apenas uma entre muitas que deixavas
apenas por serem trabalhadoras, apenas por lavrarem os campos infinitos com as
mãos, apenas por levarem com a chuva, a lama, o adubo… Mal soubeste do pobre
que no meu ventre crescia, tal rebento…Partiste. Nada deixaste, levaste talvez
a esperança e o meu amor. Tal qual herbicida, partiste.
Como raízes que arrancaste da
terra, também eu arrancarei este rebento. Também eu arrancarei a minha única
felicidade, este ser que poderia transformar a escuridão em luz. Também eu vou
arrancar este amor!
ILUSTRAÇÃO
Ana Rita Carneiro
Maria João Costa
Marta Teixeira
Nina Milhões
Chama-se Sandra e é, bem, era uma rapariga de bem
com a vida, feliz, com ambições, enfrentado apenas os problemas de uma jovem
mulher para a sua idade, 17 anos.
Era sexta-feira, 13 de Novembro de 1999, e Sandra
tinha ido dar uma volta com os seus amigos ao parque da cidade do costume.
Antes da meia - noite, separaram-se para ir para suas casas. Sandra não tinha
de andar mais de 100metros, mas esse espaço foi suficiente para acontecer uma
tragédia. Foi abordada por um homem que a violou! Era um homem robusto,
agressivo e cruel! A sua crueldade não teve castigo devido à escuridão da fria
noite de Novembro.
Sandra contou aos seus pais e o choque atingiu a
sua família! Foram imediatamente à polícia e ao hospital e, para piorar a
situação, veio a descobrir-se que estava grávida! Foi um ano de dor e o aborto
que fez ainda a deixou mais transtornada.
Passou a consultar um psicólogo e a sua vida mudou
por completo… Durante uns dias, apenas se deitava no seu quarto e chorava,
revoltada com a vida.
Foram muitas as noites passadas em claro, com medo
do escuro; quando finalmente adormecia derrubada pelo cansaço, acordava a suar
devido aos pesadelos. Os gritos não lhe saíam da cabeça e aquelas mãos
grosseiras e pecadoras tocavam-na todos os dias. Agonia!
ILUSTRAÇÃO
TRABALHO DO
GRUPO 3
Cláudia Martins
Rafaela Barandas
HISTÓRIA
Querido
Diário,
Hoje deparei-me com
uma situação que mexeu comigo e me deixou um pouco abalada.
Estava no hospital a
atender uma paciente, quando entra uma miúda com os seus 16anos, desesperada, a
gritar por ajuda. Entrei em pânico sem saber o que tinha acontecido. Quando ela
disse que tinha sido violada, implorando que lhe fizesse um aborto, os meus
sentidos pararam…
Perguntei-lhe se ela
tinha consciência do que estava a dizer, mas ela mostrou-se decidida em abortar. Não a
contrariei, pois não consigo imaginar o que ela podia estar a sentir.
É verdade que o aborto, hoje em dia, já pode ser feito até às doze semanas...felizmente! Depois de encaminhar a miúda para p gabinete do psicólogo e assistente social, contíguo ao meu, pus-me a pensar... Lembrei-me de uma história verídica que a minha avó me contava muitas vezes.
É verdade que o aborto, hoje em dia, já pode ser feito até às doze semanas...felizmente! Depois de encaminhar a miúda para p gabinete do psicólogo e assistente social, contíguo ao meu, pus-me a pensar... Lembrei-me de uma história verídica que a minha avó me contava muitas vezes.
Tratava-se de uma
rapariga, mais ou menos da mesma idade, que engravidara. Como a minha avó era
parteira, pediram-lhe ajuda. Devido à falta de condições que havia na altura,
ao provocar o aborto, a menina morreu. Lutou pela vida, pela sobrevivência, mas
não foi forte o suficiente. A minha avó avisou-a de que não ia ser fácil. Não
havia os devidos meios para que corresse bem a cem por cento. Não havia
operações nem anestesias, nem sequer higiene suficiente. Não havia um simples
comprimido, como há hoje, que, ao ser engolido, mata uma vida, por cruel que
soe...
Volvidos tantos anos,
ainda hoje me vem essa imagem a cabeça, quando me deparo com esta terrível
imagem: uma criança inocente que se esfrega com as dores, numa cama coberta de
lençóis, com um balde ao seu lado, enquanto a minha avó tentava limpar o sangue
que lhe escorria pelo corpo…
É triste pensar nas
pessoas que passaram por isto até há umas décadas atrás. Ainda bem que hoje há
se pode realizar o aborto medicamente assistido, o que desdramatiza, de alguma
forma, pelo menos em termos de saúde, a tragicidade do momento.
Bem, o dia de amanhã espera-me. Tive um dia
bastante complicado e estou exausta, mas, felizmente, tudo acabou bem. A miúda,
de apenas dezasseis anos, ganhou coragem para contar aos pais que a apoiaram na
decisão já tomada. Pelo menos, não se sentirá tão só…
Amanhã trago-te mais notícias. Até lá!
ILUSTRAÇÃO
TRABALHO DO
GRUPO 4
Cristiana Correia
Sara Carvalho
Tânia Sousa
HISTÓRIA
01/05/2012
Querido Diário,
Oh
meu Deus! Nem quero acreditar!... Estou com um atraso de 2 semanas e ainda não
disse ao Nuno. Ontem discutimos e ele anda a evitar-me… Tenho medo que as
minhas dúvidas se tornem certezas e se isso acontecer, não sei como vou contar
ao Nuno e não sei a reacção dos meus pais. Amanhã tenho de fazer o teste (…)
03/05/2012
DEU
POSITIVO! O que vai ser da minha vida?! Sou tão jovem, isto não podia ter
acontecido! Acho que não tenho coragem para contar aos meus pais… a única opção
é não ter esta criança! Isto parece um pesadelo, podia ter dúvidas mas já o
confirmei 3 vezes! (…)
05/05/2012
Hoje
o Nuno esperou-me á porta do colégio. Finalmente consegui dizer-lhe e a reacção
não podia ter sido pior! Virou-me as costas e deixou-me lá a chorar! É óbvio
que não quer ter este filho… acho que ele podia ter respeito por mim e por uma
‘’coisa’’ que é nossa. Afinal, somos ambos culpados e temos a mesma
responsabilidade!
09/05/2012
Hoje
o Nuno teve uma conversa muito estranha comigo! Falou-me de uns comprimidos
para fazer o aborto. Ao início, fiquei feliz pois vou tirar este ‘’peso’’ de
cima de mim, mas, depois, comecei a pensar e acho que já me estava a habituar á
ideia de ter este bebé, pois está dentro de mim ! E não quero matar um filho
meu ! Tenho medo e estou confusa … Não quero perder o Nuno …
13/05/2012
É
já amanhã! Vou fazer o aborto. O Nuno disse para não me preocupar com o local
pois ele tratava de tudo e que me ia buscar no fim das aulas! Estou nervosa…
Tenho medo das consequências … Será que vou por a minha saúde em risco ?! (…)
23/05/2012
Foi
HORRIVEL! Aquele local, sem condições, um sítio que nunca vi nem nunca mais
quero ver! Era uma casa velha, com uma cama antiga e um sofá pequeno… Aquele
local era arrepiante!...Tomei o tal comprimido que o Nuno falou e comecei a
sentir algumas dores, como se me estivessem a dar ‘’pancadas’’ na barriga! Depois
destas dores, passou… já não estou grávida e cheguei a casa muito cansada…
26/05/2012
Continuando
a minha ‘’história’’, os meus pais andavam desconfiados de algo, mas nunca
descobriram. Quanto ao Nuno, depois de tudo e de todo o meu sofrimento, ignorou
a minha dor e apercebi-me que era um amor falso senão não me fazia passar por
isto ‘’sozinha’’. A nossa relação chegou ao fim, e este pesadelo também. Apesar
de tudo, hoje, penso se foi a melhor opção. Como seria se aquela criança ainda
existisse dentro de mim? Se ainda estivesse grávida, tinha hoje pouco mais de 1
mês… Aprendi uma grande lição! Afinal o amor não é tudo e não nos podemos
deixar levar por impulsos … Devemos fazer tudo com responsabilidade e pensar
sempre antes de agir.
ILUSTRAÇÃO
TRABALHO DO
GRUPO 5
Nuno Silva
Paulo Cunha
Luís Silva
Vasco Rafael Carvalho
Tiago Chaves
Pedro Fonseca
HISTÓRIA
O meu nome é Helena Salgueiro. Tenho 37 anos, sou
casada há 10, tenho 2 filhos e vou contar o meu maior remorso.
Tudo
começou no nosso 10º aniversário de casamento, apesar de o meu marido nem
sequer se ter lembrado da data…
Ele
é um empresário bem sucedido e dedicado ao seu trabalho, esquecendo-se, por
vezes, de que tem uma família. Talvez por isso a minha vida se tenha tornado
confusa e tenha cometido os erros que cometi.
O
meu filho Ricardo tem 13 anos e é portador de Trissomia 21, o que requer
cuidados a tempo inteiro. A minha filha Raquel tem 9 anos e, graças a Deus, é
perfeitamente saudável.
Visto
o meu marido ter um salário deveras confortável, nunca houve a necessidade que
eu trabalhasse, podendo, por isso, dedicar-me à casa a tempo inteiro.
Todas
estas situações tiveram um certo peso para que eu começasse a adoptar outros
comportamentos, não sendo esses dignos de uma mulher de família.
O
Filipe. Ele tem 42 anos e é director de uma empresa de marketing. Conheci-o há
uns anos, não me lembro bem como e, desde então, nunca mais perdemos contacto
um com o outro, vendo-nos regularmente, tendo ele até jantado diversas vezes em
minha casa.
Durante
um desabafo acerca do meu cansaço devido à minha rotina familiar, começámos a
ver-nos com um olhar diferente…
Foi
mais forte que nós. Beijámo-nos, de beijos a sexo e de sexo passou a uma traição. duradoura, por assim se dizer. Era o meu amante…
A
minha menstruação estava atrasada e as minhas suspeitas confirmaram-se: estava
grávida! Não sabia o que fazer. Quando soube, fiquei petrificada…
Chegámos
a um consenso, eu e o Filipe. Ele nunca se despreocupou ou acobardou, embora
soubesse que era errado assumirmos a relação e, pior ainda, ter um filho. Como
tal, o aborto era a solução. Uma solução ilegal, mas era “ a solução”.
As
minhas mãos estão ensanguentadas. Os lençóis estão ensanguentados. Deixei de
sentir dor. Todos estes episódios são as memórias que se reproduzem nos meus
espelhos mentais. Já não tenho medo. Julgo já nem sequer ter nada. Só o
remorso…
ILUSTRAÇÃO
HISTÓRIA:
Isabel Monteiro
(professora de Português)
A parteira
Olhava com
o olhar assustado e marejado de lágrimas aquele anjo ou diabo que a ia livrar
de uma semente indesejada porque depositada no seu corpo num dia de muita
champanha com a qual havia festejado o seu aniversário, os seus 18 anos…
Nem queria
acreditar, quando, a tremer, entrou naquele quarto a cheirar a álcool, a
lixívia, a desinfectante, de uma casa humilde no fim da rua do bairro onde ela
própria vivia… Para ali entrou às escondidas, de noite, acompanhada pelo amigo
de infância, agora pai da “coisa” que tinha dentro de si e desesperadamente
devia tirar para acabar o martírio… Por ela, enfrentaria o céu e o inferno para
criar o que, de há um mês a esta parte, já sentia ser seu, orgulhosamente seu,
e desejava ver crescer…. Mas aquele que lhe havia servido copos de champanhe
toda a noite, aquele que lhe havia afagado o ventre, o sexo e as lágrimas, não
queria e ameaçava renegar o fruto que no seu ventre se desenvolvesse. Que mais
poderia fazer…e no entanto…
Abriu as
pernas, imitando a parteira que no seu regaço segurava uma bacia assustadora
que acolheria o que dela saísse desfeito, então, em sangue criminoso... Tremia
de medo, de emoção, de medo do pecado que cometia, com medo do castigo que
sabia que Deus guardaria para si e antevendo o terror de não voltar a ter a
oportunidade de sentir vida a borbulhar nas suas entranhas…
-Não
tenhas medo... Isto não custa nada… É como limpar o rabo a meninos…- disse
irónico e insensível o diabo- A tua mãe nunca saberá de nada- acrescentou o
anjo manipulando uns instrumentos a que, numa espécie de alucinação,
assemelhava a machados e pistolas…
Não! Ela
não era uma assassina e tinha corpo para trabalhar e sustentar uma criança… A
sua criança…. Mãe teria e o pai… quem sabe… com o tempo….
Estava
resolvido! Olhou corajosa e desafiadoramente aquela mulher que pretendia anular
a existência de um ser a troco de dinheiro, levantou-se, atirou para o chão a
manta inunda que lhe cobria o sexo, ouviu o som de uma bacia a cair, abriu a
porta e saiu, sem olhar para o amigo, o amante, o progenitor que, sentado na
sala contígua, balbuciou perplexo:
- Já?!...
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