"A escola é o lugar para aprender que o amor à vida não se demonstra só através do jogo, mas também cumprindo atividades socialmente necessárias e sobretudo desenvolvendo uma vocação, por mais humilde que aparentemente seja". F. Savater
As palavras que te envio são interditas até, meu amor, pelo halo das searas; se alguma regressasse, nem já reconhecia o teu nome nas suas curvas claras.
Dói-me esta água, este ar que se respira, dói-me esta solidão de pedra escura, estas mãos nocturnas onde aperto os meus dias quebrados na cintura.
E a noite cresce apaixonadamente. Nas suas margens nuas, desoladas, cada homem tem apenas para dar um horizonte de cidades bombardeadas.
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segunda-feira, 26 de março de 2012
Hoje é o Dia do Livro Português. Tal como autores, temos livros muito bons, alguns até que mal conhecemos. Parabéns aos autores deles, portanto. Isto em literatura anda tudo relacionado: livros e autores. :) Ou, como escrevera Antonio Tabucchi, escritor ontem falecido: «Em literatura tudo tem a ver com tudo».
Não tenhas medo, ouve: ... É um poema. Um misto de oração e de feitiço Sem qualquer compromisso. Ouve-o atentamente De coração lavado. Poderás decorá-lo E rezá-lo Ao deitar, Ao levantar, Ou nas restantes horas de tristeza Na segura certeza De que não te faz mal E pode ser que te dê paz
«Um poema ou uma árvore podem ainda salvar o mundo.»
(Eugénio de Andrade)
Dia Mundial da Poesia é uma bela razão ler e reler Pessoa (com todas as pessoas que nele vivem), Eugénio, Sophia, Torga, Manuel Alegre, Herberto e outros tantos daqueles que me fazem companhia todos os dias. Como sempre, aliás!
«Na mesa ao lado da de Manuel, outro homem. Era filho de pai incógnito. Ao longo dos tempos da sua meninice, sentiu-lhe a falta, sobretudo no dia do Pai. Queria acreditar que tudo não passava de um erro do funcionário do registo civil. Como se lhe tivessem posto mais uma letra no seu nome. E, na adolescência, queria ir à pesca com o pai, à semelhança dos seus amigos. Ou jogar futebol ou praticar um outro desporto qualquer.
Entretanto, mais crescido, procurou esquecer o assunto. Poderia pensar-se que estava conformado com a situação, mas o silêncio era apenas um modo de ignorar aquilo que o distinguia dos seus colegas e que, mesmo não contando a ninguém, lhe doía por dentro.
[...]
A lua ia alta. O homem, já na rua, dizia uma série de impropérios. Ninguém lhe conhecia família nem se sabia onde morava. Também já não se lembravam há quanto tempo começara a aparecer por ali. Manuel ouvia-o – um lamento, puro ganir, que havia de ecoar durante toda a noite, pelas ruas da cidade –, enquanto se afastava rumo a casa. Manuel seguia com um destino certo, ainda que em passo nada acelerado. O outro ia cambaleando, num percurso incerto, em estado de embriaguez tal, que ninguém se atreveria a falar-lhe nem sequer a responder aos seus comentários. Arrastava os pés, cordões à solta, sapatilhas gastas. Gasto ele também. Calças velhas, sujas, descaídas na cintura. E já nem bolsos tinham para guardar as moedas. Nem os sonhos. Também os não tinha já. “Para quê ilusões?”, perguntava tantas vezes. Não fazia mal, portanto.»
«Quero dizer-te uma coisa simples: a tua ausência dói-me. Refiro-me a essa dor que não magoa, que se limita à alma; mas que não deixa, por isso, de deixar alguns sinais – um peso nos olhos, no lugar da tua imagem, e um vazio nas mãos, como se as tuas mãos lhes tivessem roubado o tacto. São estas as formas do amor, podia dizer-te; e acrescentar que as coisas simples também podem ser complicadas, quando nos damos conta da diferença entre o sonho e a realidade. Porém, é o sonho que me traz a tua memória; e a realidade aproxima-me de ti, agora que os dias correm mais depressa, e as palavras ficam numa refracção de instantes, quando a tua voz me chama de dentro de mim – e me faz responder-te uma coisa simples, como dizer que a tua ausência me dói.»
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro; era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. E eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
(Pintura de Magritte)
Mas isso era no tempo dos segredos, era no tempo em que o teu corpo era um aquário, era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco, mas é verdade, uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor, já não se passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus.
(Eugénio de Andrade, in "Os Amantes sem Dinheiro")
“Babies” é um documentário francês de 2010, de 79 minutos, realizado por Thomas Balmès e produzido por Alain Chabat que segue durante um ano a história de 4 bebés, desde o seu nascimento. Estas crianças são oriundas da Mongólia (Bayar), Japão (Mari), Namíbia (Ponijao) e EUA (Hattie)."
Crítica:
Tivemos a oportunidade de visualizar e discutir o documentário “The Babies”, no contexto das disciplinas de Filosofia e Formação Cívica. O filme, diretamente relacionado com o tema “Valores e Cultura”, permite-nos explorar o território das atitudes possíveis em relação à diversidade cultural.
Quatro bebés muito especiais...
Ponjiao (Namíbia): nasceu numa tribo, e talvez dos quatro bebés é aquele que mais distante está do modo de vida ocidental. Desde pequeno contacta com outros familiares da tribo, assim como outros seres vivos durante a sua descoberta do mundo.
Bayarjargal ( Mongólia): vive numa tenda, já com alguns sinais de modernização. Dos quatro bebés é aquele que mais tempo passa sozinho, não por desinteresse parental, mas em nome de uma autonomia que, segundo a tradição da Mongólia, deve ser conquistada desde muito cedo.
Mari (Japão): vive num aglomerado urbano muito denso, estando em contacto desde pequena com sinais de desenvolvimento: arranha-céus, centros comerciais, brinquedos, tecnologia…Raramente está em contacto com a natureza.
Hattie (EUA): o seu modo de vida era semelhante ao de Mari e a única das quatro crianças a estabelecer um vínculo especial com o pai. Muito sensível e temperamental, por comparação com as crianças dos países menos desenvolvidos.
Do reconhecimento da diversidade à identificação de universais humanos…
Se viajar é comparar, este documentário proporciona-nos uma viagem por três continentes e quatro países e confronta-nos com uma diversidade de maneiras de pensar, sentir e agir, que caracterizam e concedem especificidade aos elementos de uma cultura, distinguindo-os das restantes. São diversas as formas encontradas pelas diferentes sociedades para melhor satisfazer as necessidades e os desejos humanos. Apesar das diferenças detetadas no momento do nascimento e no decorrer do processo de socialização, todas as crianças têm algo em comum. Todas têm o amor de uma família. Se viajar é comparar é também ser capaz de assumir que “ser diferente não é o problema, o problema é acreditar que a nossa diferença é melhor que a dos outros”.
Por fim, uma lição de vida…
Todos amam. É esta a mensagem que o documentário francês pretende transmitir ao espectador, ao seguir o primeiro ano de vida de quatro crianças, “todas diferentes, todas iguais”. Não incomodando o espetador com narração e fazendo com que este se concentre totalmente nas crianças, este filme consegue ser uma lição de vida para aqueles que torcem o nariz a outras culturas e se consideram culturalmente superiores. Para os racistas. Para os xenófobos. Para os chauvinistas. Este é um filme para todos nós.
«Então às vezes a gente pensa: afinal, não quis ser feliz. Não tive coragem. A mediocridade do viver já a conhecia e o meu susto era a aguda e excitada surpresa do que é desconhecido. Deixei-me domar aos poucos, até o coração mirrar, como um músculo que se foi desleixando. A felicidade é uma aventura. Chama por nós, mas pede a força de irmos logo ao encontro do chamado.»
«Será que há uma explicação para todos os meus actos e que essa explicação está dentro de mim como uma chave a tilintar dentro de uma lata à espera de vir cá para fora e ser utilizada, revelando o mistério?»
Madrid com Arte As Turmas de Artes da nossa Escola foram a Madrid, nos passados dias 22, 23 e 24 de Fevereiro. Passaram por Salamanca, viram praças grandiosas, monumentos, museus e obras de arte magníficas! O Vasco Rafael, do 10º G, esteve atento e aproveitou para dar largas à sua criatividade… Fotografou e registou espaços, mas também instantes e sentimentos. A Arte expõe, levanta questões, provoca emoções… Assim fez o Vasco e sobre o seu trabalho escreveu:
“Madrid, mais uma das cidades que não dorme. Como fotógrafo o meu objetivo é retratar o mundo tal como ele é, e, para isso, na maioria das vezes recorro às pessoas à minha volta para o fazer. Mais do que apenas retratar a sociedade onde vivemos, o meu principal objetivo é “por o dedo na ferida”, mostrar às pessoas o que na maior parte das vezes lhes escapa, e deixam que passe ao lado como se não fosse nada com elas, como se vivessem num mundo à parte, num mundo perfeito. Nesta viagem a Madrid, tive a oportunidade de, mais uma vez, comprovar a minha teoria de que sempre haverá de um lado, os homens de fato; e do outro, os homens de cartão.”
Vasco Rafael, 10ºG, Março 2012
Aqui ficam algumas imagens para que possam conhecer e desfrutar o excelente trabalho do vosso colega.
Decorridos dois anos, penso que vale a pena relembrar, aqui, neste diário virtual as palavras um dia registadas no diário físico de uma turma muito singular…
«Vila Real, 8 de Março de 2010
Após um longo dia de trabalho (são 23 horas e ainda não encerrei a jornada…) sento-me diante do diário do 10ºB e penso. Penso que, por uma feliz coincidência, guardarei as palavras das minhas alunas e alunos, na data em que se comemora os 100 anos do Dia Internacional da Mulher. É verdade já passaram 100 anos, desde que numa conferência internacional de mulheres realizada em 1910 na Dinamarca, foi decidido homenagear as operárias de uma fábrica têxtil de Nova Iorque que, no dia 8 de Março de 1857, entraram em greve para reivindicarem melhores condições de trabalho. A greve foi violentamente reprimida pelas forças policiais e mais de cem mulheres acabaram por morrer queimadas, em consequência de um incêndio que, entretanto, deflagrou na fábrica onde se encontravam fechadas. E,hoje, alguém me perguntou: “E ao fim de todo este tempo, ainda se justifica assinalar este dia?” Acrescentando, de imediato: “Afinal, não são as mulheres numericamente superiores aos homens?”. Ignorei o óbvio cinismo presente nestas questões e argumentei com factos que demonstram que, hoje, as mulheres são as vítimas mais frequentes de maus tratos, desigualdade, discriminação, ignorância e preconceito. Mas as minhas palavras despertaram ainda mais o espírito crítico do meu interlocutor que, mudando o rumo da sua argumentação, me questionou: “E quanto à filosofia, por que razão só há homens filósofos?” Sorri perante a provocação e afirmei, categoricamente: “Também há mulheres filósofas”. De facto, não há nenhum gene ou questão hereditária que impossibilite as mulheres de reflectir filosoficamente (e desde a Antiguidade sempre o fizeram), porém, o preconceito associado à ignorância em muito contribuíram para o silenciamento dos seus textos. Por fim, e com a intenção de aguçar a curiosidade do meu interlocutor, falei-lhe dos amores proibidos dos filósofos medievais Abelardo e Heloísa, da relação aberta de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir e do amor improvável de Heidegger e Hannah Arendt.
“Adeus, leitor amigo; tenta não gastares a tua vida a odiar e a ter medo” (Sthendal)
«Agora preciso da tua mão, não para que eu não tenha medo, mas para que tu não tenhas medo. Sei que acreditar em tudo isso será, no começo, a tua grande solidão. Mas chegará o instante em que me darás a mão, não mais por solidão, mas como eu agora: por Amor”.»
É por demais conhecida a escola onde o professor, detentor da autoridade e possuidor dos conhecimentos, tudo orienta e dirige, como se a criança ou o jovem fossem uma tábua rasa, completamente desprovidos de experiência, fracos e incapazes de caminhar por si sobre os quais o adulto, paternalmente, se debruça para os modelar de acordo com aquilo que sabe. Tudo se passa como se o aluno devesse abandonar à entrada da escola todos os seus entusiasmos, todas as suas dores, alegrias, todos os seus receios, tudo aquilo que aprendeu fora dos muros da escola, para se transformar num ser passivo. O que se pretende hoje do professor é que conheça o aluno, sem que conhecimento signifique possibilidade de o catalogar como mandrião, irrequieto, atento, trabalhador, obediente..., mas a capacidade de sentir na pele dele aquilo que ele sente e vive, ver o mundo através dos olhos do aluno.Só assim, através de uma presença aberta e compreensiva, se pode ajudar alguém a evoluir, que é o mesmo que ajudar alguém a aprender. É necessário que o professor respeite o aluno e o aceite como ser humano completo com os seus afectos e interesses tão válidos e sérios como os dos adultos. Cada indivíduo é único e não cabe em moldes ou esquemas prefabricados, sendo essa individualidade o que o professor deve procurar desabrochar em cada um dos seus alunos, mas não lhe basta compreender unicamente um a um, é - lhe necessário conhecer o grupo porque só assim o poderá ajudar a evoluir. O professor ao pôr em execução o seu método pedagógico, não deve ignorar nem a natureza dos problemas do meio escolar a que os alunos pertencem, nem o ponto de vista dos colegas e encarregados de educação, só assim poderá ajudar ou estimular os outros a evoluírem. A democratização do ensino, no verdadeiro sentido do termo, não consiste na criação de escolas iguais para todos, mas deve partir das motivações e necessidades dos alunos, não voltando costas ao meio sócio - cultural e económico em que eles se inserem fora dos muros da escola. Toda a educação deve visar a autonomia do educando, mas tem como condição que nos sintamos compreendidos e aceites pelo outro, não esquecendo porém que compete ao professor ajudar o aluno a aprender a ser livre. Mª do Céu Granja, texto baseado no livro " As Três Faces da Pedagogia" de Mª Amália Medeiros
...Vinte e muitos anos depois, pergunto - me quem é quem neste texto... que escola é agora a nossa... que pedagogia devemos adotar...somos agentes da educação por decretos...contudo e, rumando contra ventos e marés, continuo a acreditar que sou Professora por vocação e não por uma ironia do destino.
Vale a pena ouvir as palavras do escritor Eduardo Galeano. Dedique 7 minutos do seu dia à visualização e interpretação desta mensagem. Depois, deixe aqui a sua opinião.
«As pessoas têm estrelas que não são as mesmas para todos. Para uns, os que viajam, as estrelas são guias. Para outros são apenas pequenas luzes. Mas todas as estrelas permanecem silenciosas. Tu, terás estrelas como ninguém tem...»
"(…) um operário civil italiano (Lorenzo) trouxe-me um bocado de pão (…), todos os dias, durante seis meses; ofereceu-me uma camisola sua cheia de remendos; escreveu por mim um postal para Itália e fez-me chegar a resposta. Por tudo isto, não pediu nem aceitou alguma compensação, porque era bom e simples, e não achava que o bem devesse fazer-se para obter compensações. (…) creio que devo justamente a Lorenzo o facto de estar vivo hoje; não tanto pela sua ajuda material, quanto por me ter constantemente lembrado com a sua presença, com a sua maneira tão linear e fácil de ser bom, que ainda existia um mundo justo para além do nosso, algo e alguém ainda puro e incontaminado, não corrupto e não selvagem alheio ao ódio e ao medo; algo que mal se pode definir, uma remota possibilidade de bem, pela qual, porém, valia a pena conservar-se. As personagens destas páginas não são homens. A sua humanidade está sepultada, ou eles mesmos a sepultaram, debaixo da ofensa que sofreram ou que infligiram a outrem. Os SS maus e estúpidos, os políticos, os criminosos, os proeminentes grandes e pequenos (…) todos os degraus da insana hierarquia criada pelos Alemães, estão paradoxalmente unidos numa única desolação interior. Mas Lorenzo era um homem; a sua humanidade era pura e incontaminada, estava fora deste mundo de negação. Graças a Lorenzo, aconteceu-me não esquecer que também eu era um homem”.
Primo Levi, Se isto é um homem
quinta-feira, 1 de março de 2012
Este post é dedicado aos alunos de Psicologia 12º ano, que no dia 25 de fevereiro assinalaram o 68º aniversário de António Damásio.
«Por que é que se dedicou ao estudo do cérebro? Foi por causa de livros que leu ou houve algum professor que o fez apaixonar-se pelo tema?
Foi uma combinação de factores. Um prende-se com o meu interesse pelos mecanismos e com a curiosa transição que me fez passar dos mecanismos dos motores — que eram a minha paixão quando tinha dez anos — para os mecanismos da mente. Não faço ideia nenhuma da maneira de como isso aconteceu, mas sei que a certa altura — devia eu ter à volta de 15 anos —, ainda sem pensar de todo no cérebro, fiquei obcecado pelos mecanismos mentais. E achava que, para abordar essas questões — aí a influência foi com certeza literária —, teria de me tornar escritor ou cineasta. Isso fazia sentido, visto que também tinha uma grande paixão pela literatura e pelo cinema. Mas depois, no liceu — em Portugal —, tive como professor um filósofo chamado Joel Serrão. Era um professor magnífico — ensinava História e Filosofia — e eu de vez em quando conversava com ele. Um dia, falei-lhe do que queria fazer e disse-lhe que estava a tentar decidir se ia escolher a via literária ou científica no liceu. Ele ouviu-me e respondeu: “O que tu queres ser é neurologista.” “Ah, disse eu, neurologista. E porquê?" "A questão é que vieram daí uma quantidade de textos que ele achou que eu devia ler e, em particular, a recomendação de ler um livro do Egas Moniz. Tudo isto aconteceu, lembro-me muito bem, quando eu tinha 16 anos — e, depois de ter pensado bastante no assunto, decidi que ia para Medicina e que ia ser neurologista. Era a via natural. Foi uma decisão que nunca se alterou. Quando entrei para a faculdade, lembro-me de que as pessoas me diziam: “Não vais nada ser neurologista, vais ser cirurgião plástico.” “Veremos”, respondia eu. E acabei mesmo por me tornar neurologista. Claro que fui ficando cada vez mais contente com a minha escolha, porque de facto correspondia totalmente àquilo que me interessava.»
«(...)a consciência não é uma coisa que nos saia num sorteio ou nos caia do céu. Certamente devemos reconhecer que algumas pessoas têm desde pequenas melhor «ouvido» ético do que outras e um «bom gosto» moral espontâneo, mas este «ouvido» e este «bom gosto» podem afirmar-se e desenvolver-se com a prática (do mesmo modo que o ouvido musical e o bom gosto estético). (...) admito que para se conseguir ter consciência são necessárias certas qualidades inatas, como para apreciar música ou saborear a arte. E suponho que também serão favoráveis alguns requisitos sociais e económicos, pois quem tenha sido privado desde o berço daquilo que é humanamente mais necessário dificilmente poderá compreender o que está em jogo na questão da vida boa — com a facilidade com que o compreenderão outros com mais sorte. Se ninguém te tratar como ser humano, não é de admirar que te transformes num animal... mas uma vez concedido este mínimo, creio que o resto depende da atenção e do esforço de cada um de nós.»